domingo, 18 de agosto de 2013

Reforma dos Portos e Arbitragem Marítima e Portuária (Osvaldo Agripino de Castro Junior)



Reforma dos Portos e Arbitragem Marítima e Portuária
              
                           Osvaldo Agripino de Castro Junior[i]

Atualmente cerca de 95 % do comércio exterior brasileiro (Antaq, 2012) é feito por via marítima, o que demanda intensa atividade portuária, com diversas  possibilidades de avarias marítimas e portuárias. Nessa logística, 2/3 do custo é com tarifas portuárias e frete marítimo, valor que só é menor do que o valor da mercadoria transportada.
No percentual acima não se incluem demurrages de contêiner e tarifas de armazenagem em período da greve sazonal (ocorre todos os anos)[ii] ou por abuso de poder dos órgãos intervenientes. Nesses casos, é importante que a decisão do conflito seja feita por profissionais especializados e de forma rápida.
Além disso, os setores marítimo e portuário são considerados indústria de rede, com regulação ineficaz, vez que a Antaq e os Conselhos de Autoridade Portuária desconhecem os valores dos fretes marítimos e da demurrage de contêineres.
Mencione-se, ainda, que inexiste organização regional dos usuários dos portos e dos modais de transportes no Brasil, exceto a USUPORT Bahia e a USUPORT SC, em fase de criação. Os embarcadores brasileiros muito reclamam, não se organizam e pouco reivindicam. Esse ambiente e conduta possibilita práticas oportunistas e  tarifas abusivas no transporte. Não é por menos que os usuários de transportes públicos se rebelaram em mais de 400 cidades em todo o Brasil.
Nesse cenário, o gerenciamento do risco deve incluir uma forma de solução de conflitos eficaz e com menor custo, tal como a arbitragem, vez que se trata de ferramenta fundamental para reduzir a insegurança jurídica e os custos de transação.
O transporte de passageiros e de mercadorias vem crescendo sobremaneira desde o início do século XXI, o que aumenta o risco da operação e do embarcadores e passageiros. O naufrágio do barco Bateau Mouche IVocorrido no final de 1988 no Rio de Janeiro, com 55 mortos, é considerada  uma grande tragédia marítima e seus processos até hoje se arrastam nos tribunais brasileiros, com sentimento de impunidade entre os familiares das vítimas.
Acidentes da navegação ocorrem e ocorrerão. Podemos citar o que envolveu o Costa Concordia no Mediterrâneo. Embora todos achem que o Titanic, com mais de 1.500 mortos é o maior acidente envolvendo navios de passageiros, trata-se de um equívoco, pois a colisão com o petroleiro Vector, incêndio e naufrágio do M/V Doña Paz, em 1987, causou a morte de mais de 4.400 pessoas e teve somente 24 sobreviventes.
Tal acidente gerou ações de indenização por perda de vida ou danos materiais e morais aos passageiros e aos tripulantes; bem como por extravio ou avaria às bagagens e ação por poluição por derramamento de combustível e remoção dos cascos, dentre outros (Norman A. Martinez Gutierrez, 2011)
No Brasil, ao contrário dos países com maior tradição e eficiência na regulação da  logística, o uso da arbitragem para solução de conflitos no setor portuário e marítimo é quase inexistente.
A arbitragem é um dos institutos mais antigos de solução de conflitos, remonta há mais de 3.000 A.C. Na antiguidade, a humanidade sempre buscou caminhos mais céleres e menos burocráticos, pois os negócios tanto civis quanto  comerciais,  sempre  exigem  respostas  rápidas.  Há notícias  de soluções amigáveis entre os babilônios, hebreus, gregos e romanos.
Por volta de 400 A.C. se codificou a primeira Lei do Mar, a Lei Rhodiana. Porém, a arbitragem foi primeiramente vista na Grécia antiga, por meio de soluções amigáveis das contendas, a qual poderia ser a compromissória e a obrigatória. Os compromissos especificavam o objeto do litígio e os árbitros eram indicados pelas partes.
No Brasil, foi legalmente reconhecida desde os tempos da colonização portuguesa, ao contrário do que normalmente se pensa, já foi obrigatória em nosso direito, tal como determinava as Ordenações Filipinas (1603). A decisão arbitral daquela época não estava sujeita à homologação judicial, via juiz togado.
Essa normas continuaram em vigor, com o nome Dos Juízos Arbitrais, até a outorgada da Constituição Imperial de 1824, quando houve uma correção de sua sistemática.
O artigo 160 da citada Constituição já assegurava sentenças sem recursos: “ Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.” A conciliação também era requisito de tal norma, vez que: ” Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum”.
O Código Comercial (Lei 556, de 25.07.1850), recomendava, em seu art. 294, o juízo arbitral para resolver as questões entre sócios, na vigência da sociedade, incluindo a sua liquidação e partilha, bem como em “matéria de avarias (art. 783)”.
Acrescente-se que há falta de capacitação adequada aos magistrados federais e estaduais para julgarem tais demandas.
Em pesquisa realizada pelo Professor Wellington Beckman, Oficial de Náutica e advogado, com mais de 25 anos de experiência no setor, no Mestrado em Poder Judiciário da FGV-Rio, constatou-se que nos anos 2009, 2010 e  2011, não houve questões de Direito Marítimo, Portuário, Aduaneiro, Petróleo e Internacional Privado (contratos internacionais) nas provas para ingresso nas carreiras de juízes federais e estaduais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.[iii]
O mesmo se deu nas grades curriculares das respectivas Escolas de Formação de Magistrados, no citado período. Mencione-se, ainda, que não se observou ainda uma política de capacitação dos magistrados, seja por meio das Escolas da Magistratura, seja pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Tal cenário de insegurança exige que as empresas que usam a logística marítima e portuária se articulem, por meio do associativismo (shipper’s associations) a fim de reduzir os custos de transação, com a inclusão da cláusula compromissória nos contratos de transporte, armazenagem e compra e venda internacional.
É necessário que a Academia, a OAB, as associações de usuários e as Federações de Indústrias se organizem para a criação de Câmaras de Mediação e Arbitragem para julgarem tais conflitos nas cidades portuárias ou com forte fluxo de mercadorias, tal como se deu com a criação recente da Câmara de Arbitragem Marítima do Rio de Janeiro, da qual fazemos parte como árbitro.
É importante, ainda, que a Antaq regule a arbitragem, com a inclusão da cláusula compromissória nos conhecimentos de embarque. Isso é possível pois as normas que regulam o setor assim determinam, dentre as quais podemos citar a lei de concessão e permissão (8.987/95, art. 23-A) e lei de criação da Antaq e da Antt (10.233/2001, arts. 35 e 38):
Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.
Art. 35.  O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais, ressalvado o disposto em legislação específica, as relativas a:   (Redação dada pela Lei nº 12.815, de 2013)
XVI – regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem;
Art. 38. As permissões a serem outorgadas pela ANTT e pela ANTAQ aplicar-se-ão à prestação regular de serviços de transporte de passageiros que independam da exploração da infra-estrutura utilizada e não tenham caráter de exclusividade ao longo das rotas percorridas, devendo também ser precedidas de licitação regida por regulamento próprio, aprovado pela Diretoria da Agência, e pelo respectivo edital.
XI – regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, incluindo conciliação e arbitragem;
Assim, a reforma portuária (PLC 9/2013, convertida na Lei n. 12.815/2013) incluiu a arbitragem como forma de solução de conflitos entre trabalhadores portuários (art. 37) e concessionários e arrendatários (art. 62), adiante transcritos:
Art. 37. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão de obra, comissão paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação do disposto nos arts. 32, 33 e 35.§ 1o Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais.
Art. 62. O inadimplemento, pelas concessionárias, arrendatárias, autorizatárias e operadoras portuárias no recolhimento de tarifas portuárias e outras obrigações financeiras perante a administração do porto e a Antaq, assim declarado em decisão final, impossibilita a inadimplente de celebrar ou prorrogar contratos de concessão e arrendamento, bem como obter novas autorizações.
§ 1o Para dirimir litígios relativos aos débitos a que se refere o caput, poderá ser utilizada a arbitragem, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.

Ademais, a arbitragem vem sido usada em contratos de construção de navios, de venda de navios, de afretamento e de salvamento (avaria grossa). Nos EUA, por exemplo, é possível o árbitro arrestar o navio, carga e frete antes de iniciar a arbitragem.
É por meio das entidades que defendem os usuários, dentro as quais a USUPORT, bem como de órgãos reguladores como o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transportes, o Conselho de Autoridade Portuária e Antaq, que devem partir as diretrizes para incentivar o uso da arbitragem no setor que, no caso da Câmara Arbitral Marítima do Rio de Janeiro (CAMRJ –  www.camrj.org), pode ocorrer com a inclusão da seguinte cláusula compromissória:
“Toda e qualquer controvérsia decorrente ou relacionada com o presente contrato serão resolvidas através da arbitragem administrada pela Câmara Arbitral Marítima do Rio de Janeiro – CAMRJ, em consonância com o seu Regulamento de Arbitragem.   
As partes poderão ainda definir a sede da arbitragem, o idioma e o número de árbitros:
A sede da arbitragem será ________________ (cidade, estado e país).
O idioma será _________________.
As partes estipulam que o procedimento arbitral contará com a atuação de _________ (quantidade de árbitros em número ímpar), nomeados conforme o Regulamento de Arbitragem da CAMRJ”.

A Câmara Arbitral Marítima do Rio de Janeiro – CAMRJ, sob a presidência da Profa. Dra. Eliane Martins e administração e vice-presidência do Dr. Raphael Vianna, foi fundada em março de 2013 com o intuito de proporcionar não somente ao Brasil, mas a toda América Latina, uma Instituição capaz de oferecer soluções eficazes aos litígios correspondentes ao transporte multimodal (marítimo, ferroviário, rodoviário e aéreo), às atividades portuárias e atividades marítimas em geral, que envolvam direitos disponíveis.

Diante desse cenário, esperamos que os usuários de tais serviços, organizados,  possam usar a arbitragem, ferramenta importante na solução eficaz de tais conflitos, a fim de que os custos de transação possam ser reduzidos.

Dessa forma, espera-se que a eficiência da logística e a competitividade dos nossos produtos aumentem, bem como a segurança jurídica para os que usam o modal aquaviário, como passageiro ou embarcador de mercadoria.

[i] Advogado, inscrito na OAB/SC (www.adsadvogados.adv.br) e RJ (www.jharoldoagripino.com.br) e Professor do Mestrado e Doutorado em  Ciência Jurídica/Univali (www.univali.br/ppcj). Oficial de Náutica da Marinha Mercante, graduado pelo Ciaga (1983), ex-piloto de navios mercantes da Petrobras, Vale do Rio Doce e CBTG. Pós-Doutor em Regulação de Transportes  – Harvard University.
[ii] Desde 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal de 1988, não houve a regulamentação do direito de greve do servidor público federal, bem como do Código de Defesa do usuário do serviço público, o que caracteriza grave omissão do Poder Executivo e do Congresso Nacional. Essa conduta contribui para grandes transtornos aos embarcadores, importadores e exportadores. Ademais, o Conselho Federal da OAB ajuizou Ação de inconstitucionalidade por omissão (ADO 24 MC/DF), com pedido de medida cautelar em face da Presidente da República, Câmara dos Deputados e Senado Federal da República, tendo como objeto a mora legislativa na elaboração na lei de defesa do usuário do serviço público, nos termos do art. 27 da Emenda Constitucional n. 27, de 4 de junho de 1998, cujo teor é o seguinte: Art. 27. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação desta Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos.
[iii] A pesquisa será publicada pela Aduaneiras em 2013, com o título Pré-Sal, Comércio Internacional e Poder Judiciário.

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